A festa da diversidade acabou. Foi embora das redes sociais, dos desfiles, das campanhas publicitárias, dos perfis de influenciadores, do casting das festas badaladas e de novelas e séries que juravam “representar todos os corpos”. O corpo livre, gordo, médio, real, aquele que, até ontem, tentava ocupar passarelas, mesas de debates, “talks” e feed de Instagram foram de arrasta pra cima.
Voltamos ao padrão que cabe no tamanho 34. E, se não entrar, sempre há uma bariátrica, um Mounjaro ou um filtro milagroso para “resolver”. As mesmas influenciadoras que juravam saúde perfeita apesar do IMC acima da tabela agora desfilam a massa corporal abaixo da linha da magreza.
Inspiraram mulheres, libertaram angústias e traumas, combateram preconceitos, trouxeram o debate sobre gordofobia para a mesa e agora cedem à obsessão que sempre rondou a vida das mulheres: um corpo magro. O mesmo que para muitas vem de fábrica, enquanto para a maioria chega apenas num pacote de sacrifícios ou de muito dinheiro –quando não os dois.
Mas não para por aí, não são só as gordas e as corpulentas que abraçaram as canetinhas emagrecedoras –por pressão ou vaidade, as que sempre foram magras estão esquálidas. Algumas lembram meninas antes da puberdade: ossos saltados, roupas frouxas para um “cabide” tão pequeno ou largas para disfarçar o cabeção. Nos anos 1990, essa magreza extrema ainda carregava um ar de desconforto. Bulimia e anorexia eram tratadas como doenças, não como estratégia de marketing. Agora, basta chamar de “autocuidado”.
O que vivemos não é muito diferente do adoecimento estético da década passada, que glamourizava pele pálida, olheiras e corpos frágeis como o de Kate Moss, a cara do “heroin chic”. A diferença é que o pacote atual ganhou filtro e legenda motivacional. Se antes a magreza era vendida como rebeldia e arte, hoje ela vem embrulhada em discurso de produtividade, wellness e longevidade. Saem o cigarro e o café preto do backstage, entram o Mounjaro, o jejum intermitente e o smoothie verde. A essência é a mesma: corpos abaixo do peso, celebrados como estilo de vida.
O TikTok chegou a proibir a hashtag #skinnytok depois de pressão por incentivar distúrbios alimentares. Mas o banimento não apagou o desejo nem as imagens. Em todas as redes, mulheres jovens, adultas, profissionais bem-sucedidas ou não, com milhares de seguidores, postam fotos de corpos que imploram por um prato de comida. O sinal evidente de adoecimento ganha elogios e aplausos. Ou o silêncio conveniente dos mais próximos.
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Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres
Como se houvesse um pacto, ninguém diz nada para a amiga, para a colega, para a irmã. A própria pessoa garante que “se sente bem”, como se distorção de imagem fosse tratada com sinceridade diante do espelho. É a omissão fantasiada de respeito: não me meto, não pergunto, não atrapalho o culto, ignoro o hálito que fede fome. O corpo, cada vez mais reduzido, exibido como troféu de autoflagelo. E quanto mais ele some, mais ganha espaço no mundo.
A sociedade parece incapaz de encontrar o meio-termo. Para combater a gordofobia, preconceito que humilha, paralisa e tira oportunidades, vestimos a armadura da aceitação radical, fingindo que obesidade não era também um problema de saúde, difícil e complexo, mais custoso de tratar que a fome. A pauta, barulhenta até ontem, perdeu espaço, verba para publi e defensoras, que apelam para o atestado do colesterol alto para justificar a aparência padrão.
Neste vácuo, o pêndulo voltou a oscilar com força, empurrando de volta o horror da magreza como virtude suprema. Trocaram-se os alvos, mas a crueldade voltou a ser a mesma: antes, o corpo grande era a falha; agora, é o crime de não caber nas entrelinhas da esqualidez. Em qualquer direção, seguimos presos à régua doentia e, pelo jeito, equilíbrio continua sendo a única medida que ninguém quer adotar.
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