Mas não quero falar do peso dos hipopótamos, quero falar da leveza das borboletas. Uma leveza que pode contrastar enormemente com o peso que atribuímos a nós mesmos, com os nossos delírios de grandeza. Penso agora no grande Machado de Assis, que escreveu sobre o pequeno Brás Cubas, fazendo com que ele topasse com uma borboleta preta. Tudo sente Brás ante a aparição do inseto: graça, impaciência, aborrecimento, piedade, consolação, soberba. Em resumo, Brás mata a borboleta sem nenhuma razão, comete um assassinato em vão, e em seguida tenta entender o que fez. Vê-se como um deus criador das borboletas, ao menos aos olhos do inseto, que por isso veio beijar sua testa. Um deus insensato e cruel que encerra sua vida de vez.
Penso também em Virginia Woolf, que narra a morte de outra borboleta — de uma mariposa, na verdade, mas os justos sabemos que se trata do mesmo animal, distinto apenas por uma fútil associação entre cor e beleza. Uma mariposa, enfim, pousa moribunda na janela de Woolf e dá início a uma nova sequência de sentimentos. Primeiro ela intui a presença de certo poder, “uno, maciço e por fora indiferente”, presença de um deus que cria o mundo e se mantém perceptível, embora apático e inútil. Depois começa a sofrer com a iminência daquela morte, nota “o gigantesco esforço por parte de uma insignificante mariposa contra um poder de tal magnitude”, sente que tal poder “seria capaz, se quisesse, de submergir uma cidade inteira”. Compreende, em suma, o inelutável da morte e a insuficiência da vida, seja para humanos ou borboletas.
Lembro por fim de Rubem Braga, que passa três crônicas perseguindo pela rua uma borboleta amarela, sustentando a tensão entre uma crônica e outra, instigando seus leitores a esperar uma impossível proeza de borboleta no meio do caos urbano. Nesse caso não há nenhuma preocupação com a morte e a transcendência, Braga se limita a descrever os trajetos de sua borboleta, sim, sua: apodera-se do bicho pelo tanto de carinho que passa a nutrir por ele. Depois o perde de vista, mas não sem antes nos deixar sua lição de persistência, dita sem frase nenhuma. Uma boa história se persegue rua afora; uma boa imagem não pode passar voejando e logo esvaecer, na frase seguinte. Uma borboleta pode ser metáfora da vida e da morte desde que seja ainda uma borboleta, livre, indomável, desconhecida.
Talvez por isso eu insista em perseguir aqui minha borboleta imaginária, feita não mais que de letras sobre páginas alheias. Disso tudo se conclui uma série de coisas, mas sobretudo se conclui coisa nenhuma, como costuma acontecer em literatura. Sobre borboletas do mundo real não tenho efetivamente nada para dizer, talvez apenas o fato de que são seres que me agradam, por sua presença, seu movimento. Sobre borboletas literárias acho que cabe ainda uma palavra. Sinto que sua história não está de todo contada, que ainda não alcançamos uma noção final sobre esses animais evanescentes e delicados, esses seres que sonhamos ou que nos sonham. Que a borboleta há de ser a metáfora eterna de algo que ainda estamos por decifrar. Sigo à procura da palavra final, sem saber se quero encontrar.