Na última quarta-feira (24), o Senado rejeitou, por unanimidade, a chamada PEC da Blindagem, aprovada dias antes na Câmara dos Deputados. A proposta ampliava privilégios e criava barreiras quase intransponíveis contra investigações criminais de parlamentares. Foi sepultada após forte reação social e midiática, que colocou congressistas sob constrangimento raramente visto nos últimos anos. Não se trata apenas de uma derrota legislativa, mas de um ponto de inflexão: pela primeira vez em muito tempo, o Congresso cedeu diante da opinião pública.
O descrédito em relação ao Legislativo é profundo. Segundo o Datafolha, 78% dos brasileiros acreditam que deputados e senadores atuam mais em benefício próprio do que no interesse coletivo; 35% avaliam o desempenho da instituição como ruim ou péssimo. Ainda assim, essa rejeição não produzia mudanças reais. Na última década, o Parlamento ganhou poder sem acoplar responsabilidade e passou a operar alheio ao que a sociedade pede, pressiona ou critica. A sensação dominante era de impotência. “Com esse Congresso não adianta”, repetia-se à exaustão nos bares e rodas de conversa.
A PEC da Blindagem parecia repetir esse roteiro. O texto foi aprovado na Câmara em 15 minutos, numa noite de quórum esvaziado, e incluía medidas que fariam brilhar os olhos do crime organizado: autorização prévia para abertura de processo criminal, proibição de prisão salvo em flagrante, ampliação de foro a presidentes de partidos e votação secreta para quase qualquer investigação. Era o pacote perfeito para a autodefesa corporativa.
A reação, no entanto, foi imediata e ampla. Manifestações ocorreram em todas as capitais do país e vozes de esquerda e de direita se somaram contra o retrocesso. Constrangidos, deputados começaram a recuar: com voz embargada, declararam nas redes sociais arrependimento ou “engano” na votação. Sob esse clima, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado não apenas modificou o texto, mas decidiu enterrá-lo.
Esse episódio quebra um padrão. Mostra que o Congresso não é invulnerável à pressão social, como muitos acreditavam (inclusive nós). É verdade que o que se conseguiu foi apenas barrar um retrocesso: não há uma conquista transformadora em impedir que parlamentares se blindem da lei. Mas o gesto abre um precedente político: indica que, se houver mobilização persistente, é possível conter e até reverter práticas que corroem a democracia.
A sociedade não deve se contentar com o alívio momentâneo. É hora de transformar essa demonstração de força em agenda positiva. O Brasil precisa aproveitar a conjuntura para propor reformas estruturais de transparência no Legislativo. Comecemos com a aprovação do pacote Câmara Aberta, desenvolvido pelo Pacto pela Democracia e signatários. Entre as medidas do pacote, estão propostas diretas e de alto impacto: dar fim ao uso indiscriminado do regime de urgência, que hoje atropela debates e limita a participação social; obrigar a divulgação antecipada das pautas do plenário; fortalecer as comissões e retomar as comissões mistas de análise de medidas provisórias; institucionalizar o Colégio de Líderes com regras claras e transparentes; e criar regras para garantir acesso efetivo da sociedade civil ao processo legislativo. São mudanças que podem devolver previsibilidade, responsabilidade e integridade ao Parlamento.
A queda da PEC da Blindagem deve servir como combustível. Não basta impedir retrocessos; é preciso avançar. Se o Congresso foi sensível agora, é o momento de empurrar a porta aberta e exigir mudanças que fortaleçam a democracia. Só assim deixaremos de repetir, resignados, que “com esse Congresso não adianta”.
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