Se maturidade viesse de acordo com a idade do RG, “Casamento às Cegas 50+” seria um tratado de sabedoria amorosa. O reality se vendia como celebração da experiência, do charme grisalho, da serenidade conquistada ao longo da vida. Entregou, em vez disso, um espetáculo de insegurança, egos inflados e carência explícita. O que prometia ser um laboratório de afetos maduros virou uma gincana de vaidade e carência.
É legítimo querer um amor depois dos 50, dos 60, dos 70. Ninguém está condenado à solidão só porque o colágeno pediu as contas. Ter saudade de uma parceria, de colo, de companhia para atravessar uma segunda parte da vida ou dividir a conta de luz é humano. O problema não é o desejo. É a cartilha. Gente grisalha repetiu os mesmos erros da juventude, como se o tempo não tivesse ensinado nada. Em vez de relações mais conscientes, preferiram o pacote básico: homens atrás de magras e novinhas, mulheres competindo entre si, carregando inseguranças e expectativas atropeladas.
Os homens foram um espetáculo à parte. A autoestima do hétero maduro é uma usina de energia renovável: nunca se esgota. Eles exigem corpos esculpidos, jovialidade, feminilidade dócil —como se oferecessem em troca Shakespeare e um abdômen trincado. Não tinha barriga de chope, mas o repertório afetivo era digno de adolescente. Sobrou insegurança maquiada de charme. O mantra era sempre o mesmo: “quero química”. Química? Com esse currículo, só se for de farmácia.
As mulheres chegaram com discurso de independência. Mas bastou um flerte para surgirem frases de altar. Carência disfarçada de autoconfiança. Veio ciúme imediato, rivalidade desnecessária, cobrança precoce. Sororidade? Nenhum sinal. Todas no mesmo barco da maturidade tardia, mas dispostas a furar o bote da outra por atenção masculina. Ver mulheres de 50+ reproduzindo competições adolescentes é triste. Nem o tempo conseguiu ensiná-las a serem mais gentis entre si.
A exceção teve nome: Aidê, 60. Segura, clara, tranquila. Disse o que queria, respeitou os próprios limites e os do outro. Não fez drama emocional, não montou novela em 48 horas, não comprou a ilusão de “alma gêmea” fabricada pela Netflix. Foi a única que levou o reality a sério sem se levar a sério demais. Casou-se, sim, mas quando a relação terminou fora das câmeras, ela manteve a mesma postura: se respeitou, não se apegou ao espetáculo, não tratou o fim como fracasso. Provou, na prática, que maturidade é isso, começar leve e saber sair de cena quando não vale mais a pena.
O reality escancarou os maiores erros que atravessam relacionamentos em qualquer idade: expectativas irreais, falta de autocrítica, busca desesperada por validação e a ilusão de que o outro vai preencher um vazio que é pessoal. Não vai. O outro soma, não substitui. Enquanto essa conta não fecha, a maturidade não chega. Pode bater 80 anos, que a cabeça continua nos 18.
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Envelhecer é inevitável. Crescer, opcional. Dá para acumular rugas sem acumular sabedoria, diplomas sem aprender a dividir a cama com honestidade, décadas sem aprender a dizer não ou a ouvir um não sem transformar em tragédia. “Casamento às Cegas 50+” mostrou que se for para repetir os erros da juventude, melhor ficar com vinho, série boa e um vibrador de última geração.
E no fim, o reality só reforçou aquilo que ninguém gosta de admitir: maturidade não tem nada a ver com idade. O programa que prometia mostrar a beleza da vida adulta acabou retratando uma geração que envelheceu no calendário, mas nunca saiu da adolescência.
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