O governo anunciou com alarde a liberação de R$ 12 bilhões para o crédito rural, prometendo impulsionar investimentos, custeio e inovação na nova safra. Na prática, porém, esses recursos seguem indisponíveis nas instituições financeiras, revelando uma contradição entre o discurso político e a realidade vivida pelos produtores.
Enquanto os comunicados oficiais falam em fomento e estabilidade, o produtor enfrenta fila, exigências desproporcionais e respostas demoradas dos bancos. O resultado é frustrante: o crédito existe no papel, mas não chega a quem realmente precisa plantar, produzir e pagar as contas.
O entrave começa na própria estrutura de repasse. Bancos e cooperativas alegam falta de definição sobre garantias, risco climático e inadimplência, além de travas operacionais para distribuir o dinheiro.
A burocracia é tanta que, em muitos casos, os prazos de análise ultrapassam o período ideal de plantio. Para o produtor, tempo é safra, e safra perdida não se recupera.
Além disso, a alta dos juros, o endividamento acumulado e o risco de preços internacionais mais baixos tornam o crédito rural menos atraente para o sistema financeiro, que prefere operar em segmentos de menor risco e retorno mais rápido.
Cada dia de atraso na liberação do crédito significa menos investimento em insumos, tecnologia e produtividade. O pequeno e o médio produtor, que dependem de financiamento para tocar a lavoura, ficam encurralados entre o custo alto e a falta de liquidez.
Sem acesso ao crédito, o agro perde eficiência, a inovação é adiada e o país arrisca colher uma safra menor — tanto em volume quanto em competitividade.
Em um momento de margens apertadas, câmbio instável e exigências ambientais crescentes, a falta de crédito age como uma trava silenciosa na economia rural.
Um sistema desenhado para não funcionar
O caso dos R$ 12 bilhões parados mostra que o problema não é de falta de dinheiro, e sim de arquitetura financeira mal calibrada. O modelo de crédito rural brasileiro continua preso à lógica de anúncios grandiosos e execução lenta, com pouco foco na eficiência operacional e na realidade de quem está na ponta.
Enquanto o produtor precisa de rapidez e previsibilidade, o sistema oferece burocracia e incerteza. É o oposto do que um país que se diz potência agroexportadora deveria fazer.
O crédito rural é a corrente sanguínea do agronegócio. Se ele não circula, o campo enfraquece e com ele, toda a economia.
Anunciar bilhões e não repassar ao produtor é o mesmo que prometer chuva e entregar nuvens secas. No Brasil, o problema não é a falta de recursos, e sim a incapacidade de fazê-los chegar ao solo onde o país realmente cresce: o campo.
*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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