Saiu uma reforma do setor elétrico. Aprovada há poucos dias, a medida provisória 1304 chegou como prometido: mais densa e abrangente que a MP 1300, que acabou desidratada em sua aprovação.
Entre os temas, vale destacar três frentes: a abertura de mercado — ligeiramente postergada e agora condicionada a entregas, como a definição do Supridor de Última Instância, o que é positivo; a tentativa de conter o crescimento da CDE, com limites à autoprodução e uma melhor alocação de custos entre os ambientes livre e regulado; e a entrada do curtailment (cortes de geração) na pauta.
No caso do curtailment, ainda é cedo para saber como a regra vai funcionar, pois depende de regulamentação. Provável que o consumidor saia perdendo, pois a compensação vem na forma de encargos. Em grande medida, o risco foi deslocado do gerador para o usuário.
E “perdoar” incentiva mau comportamento – principalmente quando os incentivos originais permanecem intactos. O modelo de descentralização dos investimentos em solar e eólica continua lá, e pode cobrar seu preço mais adiante.
No fim do dia, o grande objetivo das duas MPs – o outcome, não apenas o output – é conter tarifas, limitando encargos. Surge um teto para a CDE, já nascido desidratado por exceções, como tarifa social: cada grupo tem uma razão nobre para ficar de fora, à semelhança dos investimentos públicos fora do teto de gastos. Falta ver quanto tempo até outra lei o alterar. Quem conhece o setor elétrico — e a voracidade dos lobbies que nele atuam — sabe bem: a probabilidade é alta.
O governo e muitos técnicos saíram frustrados com a retirada de qualquer responsabilidade financeira da micro e minigeração distribuída (MMGD). A versão inicial do relatório previa uma contribuição por quem adere ao sistema. No fim, um acordão fez prevalecer o lobby solar — eficiente em espalhar desinformação e medo com hashtags e slogans.
O ministro Alexandre Silveira prometeu se articular para que o tema volte ao Congresso em momento oportuno. Se for o caso, que venha acompanhado de uma estratégia sólida e bem comunicada sobre o que, de fato, explica preços e tarifas de eletricidade.
O que realmente pressiona preços
Para entender o aumento de preços, vale recorrer ao estudo desenvolvido pelo Lawrence Berkeley National Lab e Brattle Group. Financiado pelo Departamento de Energia (DOE) dos EUA, o relatório discute a evolução dos preços de eletricidade no varejo entre 2019 e 2024.
Em termos reais, os preços médios de eletricidade nos EUA não subiram. Mas há nuances: em algumas regiões, os aumentos superaram a inflação. As projeções para 2025 e adiante apontam pressões sobre consumidores, principalmente residenciais. Três achados se destacam:
1. Resiliência custa caro. Esse é o item que mais tem pesado, demandando investimentos e despesas operacionais para reagir diante de eventos extremos (tempestades, furacões) quanto para prevenção (reforços de rede contra incêndios, como na Califórnia).
2. Renováveis centralizadas ajudam – as descentralizadas, nem sempre. A expansão de solar e eólica utility scale via mercado não pressiona preços; ao contrário das políticas baseadas em mandatos (compromissos de atender a uma parcela mínima do mercado com solar e eólica). Por sua vez, o net metering tende a encarecer a eletricidade para quem não é adotante. Quando a penetração supera 5%, acende o alerta; acima de 10%, vira problema. Por aqui, a marca dos 10% já foi superada em muitos mercados, com destaque para Energisa Mato Grosso do Sul, Energisa Mato Grosso, RGE, CEMIG, Energisa Rondônia, Equatorial Piauí e Energisa Tocantins.
3. Crescimento é aliado. Áreas com aumento de carga diluem custos e aliviam tarifas. Significa que atrair data centers é bom, desde que haja rede para atendê-los.
Comunicar para reformar
Se o objetivo é melhorar o funcionamento do setor elétrico e a alocação de custos e riscos, é essencial identificar os verdadeiros ofensores dos preços – e, sobretudo, comunicar isso com clareza à sociedade.
A dinâmica da comunicação nas redes – veloz, intensa e carregada de emoção – abre espaço para que o impulso da reação degrade a qualidade da deliberação. Se o debate público sobre energia continuar cheio de ruído, corremos o risco de assistir, mais uma vez, à goleada da desinformação.
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