Onde vou botar meu carro? Por incrível que pareça, essa foi uma das reações ao anúncio de interdição do estacionamento da Santa Casa de Misericórdia em Salvador (BA), primeira capital do Brasil. O local oculta o que arqueólogos e historiadores estimam ser o primeiro e mais antigo cemitério público do Brasil, onde foram enterrados milhares de pretos mortos.
Estou falando do Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos, um patrimônio da União homologado pelo Iphan e cadastrado no Centro Nacional de Arqueologia —portanto, um bem atualmente protegido pela legislação.
Por um adorável capricho do destino (meu entendimento), a interdição do local se deu às vésperas deste que é o Mês da Consciência Negra, período de reflexão sobre o protagonismo dos africanos e seus descendentes na construção do nosso país.
Estima-se que os cadáveres de 100 mil pessoas escravizadas tenham sido descartados neste ponto de desova de corpos que, apesar de soterrado, emergiu como lugar de pesquisa arqueológica no século 21.
No livro “A morte é uma festa – Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século 19”, o historiador João José Reis refere-se ao cemitério, como lembra a arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, responsável pela redescoberta do local a partir de um mapa encontrado numa pesquisa feita em 19 de maio de 2024. Exatamente um ano depois, em 19 de maio de 2025, o primeiro vestígio humano foi encontrado no local.
Além de Silvana, a equipe responsável pela pesquisa no novo sítio arqueológico é integrada por Jeanne Dias, arqueóloga, e Samuel Vida, professor de direito e relações raciais da UFBA. Apesar da animação com a interdição, uma vitória, eles estão apreensivos com os desdobramentos do caso. A Santa Casa, proprietária do imóvel, está questionando a decisão.
Nos últimos anos, foram localizados cemitérios de escravizados no RJ (Pretos Novos) e em SP (Aflitos). A sociedade precisa se mobilizar para que o próximo capítulo da história seja de justiça, respeito e reparação.
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