A julgar pela enxurrada de comunicados de imprensa na caixa de correio, de posts em redes sociais e de reportagens nas TVs, rádios e jornais, a crise do clima será resolvida em Belém até sexta-feira. Só que não.
A coisa está tão devagar, nesse processo arrastado de 33 anos, que a melhor notícia da primeira semana de negociações foi diplomatas conseguirem chegar logo a um acordo sobre a agenda. Isso mesmo: concordaram de cara sobre o que vão discutir. Nada a ver com assembleias estudantis.
Outro avanço teria sido Marina Silva emplacar o conceito de “mapa do caminho” para defasar combustíveis fósseis. Ora veja: o próprio Luiz Inácio “Margem Equatorial” Lula da Silva mencionou três vezes, no encontro de líderes que precedeu a COP30, a necessidade de acabar com a dependência dos fósseis.
Para não mencionar corda em casa de enforcado, melhor não lembrar que a “transição para além” de petróleo, carvão e gás, cuja queima representa a maior fonte de gases do efeito estufa, é notícia velha de dois anos. O objetivo foi adotado na COP28 em Dubai, mas sumiu nos corredores da COP29 em Baku (Azerbaijão).
Verdade que houve queda de 50% no desmatamento da floresta amazônica em três anos (o corte raso recuou até no cerrado, outra boa nova). Pontos para Lula e Marina. Mas nada garante que a amazônia não entre em colapso e se torne fonte líquida de carbono (CO2), em vez de sumidouro a compensar parte do aquecimento global.
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Os Estados Unidos, maior poluidor do clima no acumulado histórico, saiu do Acordo de Paris (2015), meteu os pés no acelerador dos fósseis e no freio das energias limpas, com Donald Trump, e nem mesmo enviou delegação oficial a Belém. Da China, maior emissor de carbono no presente, veio só um vice-premiê.
Em 2025 as emissões globais de CO2 devem voltar a subir, coisa de 1,1%, anunciou-se durante a COP30. Calcula-se que fecharão o ano, a caminho de tornar-se o segundo mais quente desde a Revolução Industrial, em 38,1 bilhões de toneladas de CO2 (GtCO2).
Há quem veja razão para comemorar que o ritmo de alta esteja desacelerando. Outros otimistas acreditam que o consumo de fósseis pode já ter alcançado um pico e comece a declinar (isso se o apetite pantagruélico da inteligência artificial por eletricidade, que cresce 12% ao ano, não fizer virarem fumaça tais projeções).
Os 198 signatários da Convenção da ONU sobre Mudança Climática, adotada no Rio em 1992 (em 1992!), acordaram em Paris uma década atrás deter o aquecimento global em 2ºC sobre níveis pré-industriais, de preferência 1,5ºC. Já se foram 1,1ºC, pelo menos, e mesmo com os compromissos assumidos pelas partes –se cumpridos, olhe lá– levariam a desastrosos 2,6ºC ou 2,8ºC.
Para ficar em 1,5ºC, uma quantidade fixa de CO2 e outros gases do efeito estuda ainda poderia ser lançada na atmosfera, o chamado orçamento global de carbono. Estima-se que o saldo disponível para torrar na conta das boas intenções seja de 170 GtCO2.
A conta é simples: 170 / 38 = 4,5. Restam menos de cinco anos, ao ritmo atual, para acabar com os fósseis. O mapa do caminho percorrido em 33 anos indica que estamos na beira do abismo.
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