Javier Milei vive a maior crise de seu governo. Em sua origem estão a lavada que tomou na eleição legislativa da província de Buenos Aires e o desgaste provocado pelo escândalo de corrupção protagonizado pela irmã, Karina.
Os dois acontecimentos, porém, foram um pingo d’água num copo que já transbordava. Não é de hoje que sua única bandeira vitoriosa, a redução da inflação, já não basta para manter sua popularidade.
Um número de 1,9% ao mês é, de fato, um recorde na Argentina. Mas qualquer nação com esse valor de inflação estaria passando dificuldades. Ao ser abordado por alguém que lhe gritou que as pessoas não estavam conseguindo pagar as contas ao fim do mês, Milei respondeu com uma de suas típicas grosserias: “Então por que as ruas não estão cheias de cadáveres?”.
Este é outro motivo de desgaste: sua verborragia agressiva. Quem vem tentando salvar o chefe neste setor é seu consultor político, Santiago Caputo, também conhecido como “El mago del Kremlin” ou o “Rasputin” da gestão Milei. Foi ele quem convenceu o presidente a não fazer um discurso agressivo após a derrota nas legislativas e, depois, elaborou um texto artificial divulgado em cadeia nacional.
O problema agora é que a margem de erro de Milei diminuiu. E muito.
No Congresso, a aritmética virou um obstáculo diário. Vetos derrubados, projetos centrais travados, agendas reescritas por terceiros. O Executivo não domina a pauta. Governadores, que poderiam garantir um mínimo de estabilidade e apoio ao governo no Senado, reagem às incursões do oficialismo em seus territórios.
Alguns comentam a possibilidade de uma reforma ministerial. Mas Milei já não tem peças que possam significar a mudança do jogo. Até outro dia, dizia que seu titular da Economia, Toto Caputo (sim, são dois “Caputos”), era um ministro superstar.
O mesmo Toto Caputo que articulou, no governo Macri, uma imensa dívida com o FMI. Se tirá-lo agora, porém, Milei perde o que sobrou de crédito internacional. Trocar outros ministros seria uma mudança anódina.
A economia cobra seu preço. No front da macroeconomia, a dúvida agora é se o governo conseguirá manter a âncora cambial e o controle monetário contra a inflação. A estratégia pressiona as reservas do Banco Central e requer juros altíssimos em pesos. A combinação da escassez de moeda, câmbio supervalorizado e juros altos impacta a atividade. O Indec informou queda de 0,1% do PIB no segundo trimestre de 2025 ante o anterior.
O risco-país voltou a superar 1.200 pontos, e o dólar encostou em 1.474,50 pesos. No dia a dia, o carrinho do supermercado continua pesando no bolso.
Milei necessita de tempo para que a macroeconomia desperte uma narrativa mais agradável. Precisa também de reservas para segurar o câmbio, mas elas escasseiam. Ainda necessita de votos para aprovar reformas, mas a própria estratégia os afasta. Resumindo, parece mais a definição de um beco sem saída.
A eleição legislativa de outubro corre o risco de virar outro referendo sobre Milei, em vez de ser o que é: a oportunidade de renovar parte do Congresso. Neste pleito, o presidente pode até se sair melhor do que na votação bonaerense porque nela jogam atores nacionais com pesos diversos.
Mas já não é mais a quantidade de votos o que está na mira, e sim qual das perguntas vai predominar: “Quando o plano vai decolar?” ou “Quanto tempo se consegue administrar à deriva?”.
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