Como nos casos mais ruidosos em que a paternidade de alguém teve de ser atestada por meio de um teste de DNA, descobrimos que a cabernet franc, uva que brilha em vinhos do Loire e nos cortes de Bordeaux, é pai da cabernet sauvignon. Mas não termina aí: a cepa é também ancestral da merlot e da carmenère, o que faz dela parente de algumas das mais plantadas no mundo.
Com tamanha importância genética, não há variedade melhor para celebrar o Dia dos Pais. Reuni dez tintos feitos com a uva no Brasil e convidei meu mentor e figura paterna no mundo do vinho, o jornalista Guilherme Velloso, ex-diretor da ABS-SP, para me acompanhar na tarefa de prová-los. O resultado foi surpreendente: o Brasil faz excelentes cabernet franc.
Todos têm excelente acidez, corpo médio (alguns eram até mais leves, o que tecnicamente se chama de “médio menos”) e taninos presentes, mas bem integrados, sem mostrar uma adstringência agressiva. Também me surpreendi ao verificar que essas são as características dos melhores cabernet franc, segundo o livro “Grapes”, de Jancis Robinson e Julia Harding, um compêndio que informa sobre 1.368 castas.
Da Campanha Gaúcha à Chapada Diamantina, encontramos notas de fruta madura —ora vermelha, ora preta— e quase sempre um toque herbáceo, mas nunca verde, da presença de pirazina (pense no cheiro do pimentão verde).
Fiquei tão encantada que comentei o resultado com o enólogo Luiz Henrique Zanini (Vallontano e Era dos Ventos). Ele me disse que é uma casta que se adaptou muito bem ao Brasil, mas ouvimos pouco sobre ela porque é menos pop e recebe menos atenção de marketing que a filha sauvignon. “Temos uma expressão genuína. Se beneficiou muito do solo basáltico da serra Gaúcha.”
De lá vem o Amitiê Cabernet Franc 2022 (R$ 97), feito com uvas de Pinto Bandeira, com seis meses em barrica. Tem boa fruta e é mais encorpado —se seu pai gosta de pimenta, é uma ótima escolha. Na mesma linha está o Cerro de Pedra Parcelas 2023 (R$ 84, na Castas Importadora), com estágio parcial em barrica (20%) e ideal para charcutaria e carnes.
Para os pais modernos, duas boas opções: o Vita Eterna 2023 Furiano (R$ 169), equilibrado e com notas de fruta fresca e flor; e o Vivente Cabernet Franc 2022 (R$ 295 na Glou Glou), natural, celebrado na cena hipster, combina com pratos vegetarianos. Que tal arriscar uma receita do Ottolenghi? Berinjela, couve-flor…
Adoramos o Cristófoli Coleção Especial 2023 (R$ 179), de aromas complexos, que passa 12 meses em barrica. Senti uma ponta de álcool a mais, mas é só aerar que vai embora. Com esse, uma linguiça de cordeiro, tipo Merguez, e cuscuz marroquino fica uma loucura.
O Foppa Ambrosi Brazilian Collection Cabernet Franc 2023 (R$ 199) nos impressionou. É gastronômico, tem uma nota de tomilho e alecrim bem gostosa e taninos mais presentes. Outro que impressiona é o Uvva Microlote Cabernet Franc 2022 (R$ 350) superlativo em tudo: mais caro, mais corpo, mais fruta, mais álcool. Vai melhorar com o tempo, então é um investimento de longo prazo. Tem a graça adicional de ser feito na Bahia, terroir recente para os vinhos.
Para quem gosta dos mais amadeirados, o Viapiana Cabernet Franc 1986 safra 2022 (R$ 295) é a dica, com taninos mais rascantes. Aqui é cedro no nariz e mentolado na boca. Vai bem com carnes cozidas. Para o churrasco, o Capoani Cabernet Franc 2020 (R$ 195) é a pedida: começa doce, depois seca e traz notas de carvalho (francês e do americano).
Agora surpresa mesmo foi a medalha de ouro do nosso painel: o Miolo Single Vineyard Cabernet Franc Campanha Gaúcha 2022 (R$ 87), porque é também o segundo na escala de preço. Muito bem feito, tem fruta fresca, toque floral, pureza e boa textura, com taninos no ponto. A única reclamação é o álcool, que chega a 14,5%. Mas, para ser sincera, não se percebe, de tão harmonioso que é.
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