Gafes revelam verdades. Veja essa. Uma startup de IA (Inteligência Artificial) do Vale do Silício, nos Estados Unidos, apresentou há poucos dias sua inteligência artificial capaz de programar.
Chamada Cursor, a empresa deixou o público impressionado com a competência e a velocidade do seu produto, muito superior à concorrência. No entanto, um detalhe chamou a atenção: a ferramenta ficava trocando as instruções em inglês por caracteres chineses enquanto realizava as tarefas.
Isso levantou a suspeita de que o produto foi construído em cima de uma IA chinesa de código aberto (a empresa não quis comentar). Se for verdade, a Cursor não está sozinha. O presidente do Airbnb revelou no mês passado que está usando uma IA do Alibaba, chamada Qwen, para o atendimento dos clientes. A razão alegada é que o Qwen seria “rápido e barato”.
Várias outras empresas americanas estão começando a usar IAs chinesas. A razão é significativa. Enquanto os EUA apostam em modelos de IA fechados, os chineses apostam em modelos abertos. Os primeiros têm se mostrado caros, pouco flexíveis e lentos.
Já os modelos chineses têm apresentado performance comparável aos modelos americanos. Mas são rápidos, baratos e “open source” (podem ser customizados, retreinados e operar a partir de servidores próprios).
Por exemplo, a empresa chinesa MiniMax alega que seu modelo M2 é comparável em competência ao modelo Claude Sonnet 4.5 da Anthropic. No entanto, o M2 custa 92% mais barato no uso que o modelo americano.
Essa inflexão já é visível nos rankings. Pegue o top dez das maiores empresas de IA em participação de mercado medida pela Openrouter. Quatro delas são chinesas: Deepseek, Qwen, Minimax e Z-AI. Em novembro de 2024 não havia nenhuma chinesa na lista.
Em outro ranking que mede somente os modelos de código aberto mais baixados, o Qwen está em terceiro lugar, logo abaixo da OpenAI e da Meta. No entanto, em termos de criação de modelos customizados a partir dele, o Qwen está na liderança, com mais de 170 mil novas IAs criadas com ele (dados da Hugging Face).
Tudo isso mostra um duelo entre filosofias distintas. As IAs americanas têm sido platônicas. Têm focado em modelos de alta capacidade teórica, mas fechados, e deixando de lado preço e velocidade. As chinesas têm sido aristotélicas. Focadas em resolver problemas da realidade com modelos abertos, que podem ser retreinados e customizados, velozes e com preço menor.
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Em outras palavras, as IAs americanas são modelos de grande “sabedoria”, mas ainda divorciadas da realidade prática. As chinesas pensam a sabedoria como algo instrumental, para resolver problemas que existem aqui e agora.
Tudo lembra a frase que Gurdjieff disse ainda nos anos 1920 e pode ser chave para pensar a inteligência artificial: “Se a sabedoria se distancia demais da existência, ela se torna nociva. Em vez de servir à vida e ajudar as pessoas em seus desafios, começa a complicar a vida humana, trazendo novas dificuldades, problemas e calamidades que não havia antes. Civilizações inteiras pereceram porque a sabedoria divorciou-se da existência, ou a existência se divorciou da sabedoria”. Escutemos G.
READER
Já era – Um mundo sem robôs
Já é – Inteligências artificiais fingindo ser humanas
Já vem –Humanos fingindo ser bots (como no movimento 我在人间当bot – “Sou um bot entre os humanos”, na China)
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