Me lembra uma história que escutava quando criança, em que o sapo não sabe que está sendo fervido até que chega um momento em que já é tarde demais. Nós somos os sapos.
Os autoritários contemporâneos não precisam necessariamente de romper as regras de maneira brusca, à luz do dia, basta manipulá-las aparelhando as instituições e normalizando abusos. Fazem isso testando diariamente os limites públicos. Mais dia, menos dia, aquela sociedade amanhece diferente de quem sempre foi. Temos uma chance de assistir isso ao vivo, bem perto de nós.
Nos movimentos sociais chama-se de sucateamento o ato consciente de um governante de deixar um serviço público falhar até o seu limite para justificar uma privatização, que sempre vem logo depois. Talvez o paralelo funcione. Há em um curso no mundo um sucateamento da esperança política. Se nada muda, se todos parecem corruptos, se as instituições falham sempre, instala-se a sensação de que resistir é algo perto do inútil. Não é verdade.
É nesse vazio intencional que o autoritarismo aparece como promessa de restauração da ordem, eficiência e meritocracia. O mesmo movimento que entrega escolas a conglomerados privados também entrega a democracia a tecnocratas ou a líderes de palavras fortes, que gritam sobre “cortar privilégios”, enquanto concentram poder. Corremos o risco de assistir isso ao vivo, bem perto de nós.
Este é o momento em que nasce em parte das pessoas uma crença de que importa pouco como o jogo é jogado, desde que eu, minha família e minhas amizades mais próximas estejamos vencendo.
Não é verdade, viver é um exercício coletivo. E o Emicida já cantou essa bola em Boa Esperança: “A violência se adapta, um dia ela volta pro ‘cêis”. No autoritarismo, os únicos que estão seguros são os autoritários que estão na hora certa, no lugar certo.