Com roteiro de Bráulio Mantovani (indicado ao Oscar por Cidade de Deus), Fernando Garrido e Stephanie Degreas, “Pssica”, a série dirigida por Quico Meirelles, com produção da O2 Filmes (de Fernando Meirelles, que é pai de Quico e dirige um dos episódios), é fiel à atmosfera febril e ao ritmo elétrico do livro. A ação não para um segundo, mesmo nos poucos momentos de respiro, de diálogos mais longos e de breve contemplação da magnitude da floresta. A natureza exuberante pode, aliás, cegar de tanta beleza, mas pode também se impor de tal forma que é sufocante e contraditório pensar que em meio a tamanha exuberância, há adolescentes sendo sequestradas e vendidas como escravas sexuais, há tiroteios tão violentos e banais quanto nas quebradas de São Paulo e Rio, há brutalidade e assombro diante das águas aparentemente calmas da Amazônia.
São esses paradoxos que fazem de “Pssica” uma série que “tem que ver”. A trama, a propósito, parte de um dia da vida de Janalice (Domithila Cattete), uma adolescente típica, linda, que se deixa filmar em um momento de intimidade com seu ficante e é traída por ele, que repassa o vídeo para a escola inteira. Seus pais, conservadores e religiosos, em vez de a acolherem, punem, envergonham e a mandam passar um tempo na casa da tia no centro de Belém. A partir daí, sua vida se torna uma via crúcis, pois ela é raptada por uma rede criminosa de tráfico de mulheres e mandada para a Ilha de Marajó, onde vai ser negociada para ‘trabalhar’ na Guiana Francesa.

Em paralelo à tragédia pessoal de Janalice, corre a de Preá (Lucas Galvino), filho do chefe de um bando de ratos d’água que tem um membro violento além da conta, Gigante (David Santos). Ele, Preá e outros são encarregados de entregar um ‘carregamento’ de meninas para um interceptador (Claudio Jaborandi) no Marajó, que as vai vender para o guianense Philippe Soutin (Welket Bungué) e levá-las para um bordel na Guiana Francesa. Quando Preá bota os olhos em Janelice, o tempo para e ele se convence que, como lhe suplica a garota, vai salvá-la. No meio do caminho, no entanto, o bando de Preá e Gigante cruza com Mariangel (a colombiana Marleyda Soto, a Úrsula de “Cem Anos de Solidão”). De sobrevivente das guerrilhas na Colômbia que jurou que nunca mais se envolveria com violência, ela se torna uma guerreira em busca de vingança. Assim como os tantos igarapés e rios (as verdadeiras grandes estradas naturais da Amazônia), os caminhos dos três vão se cruzar sob o efeito de uma grande pssica, em uma maré de azar, zica, uruca, maldição e tudo de ruim que seus destinos podem ter.
Pssica (ou psica) é uma expressão que tem origem no idioma indígena Nheengatu e usada como um desejo de azar, como quando, em uma partida de futebol, se joga ou se diz “psica’ repetidamente para que o adversário erre o chute. Tanto Preá quanto Mariangel e Janelice “estão com psica” e suas vidas condenadas à tragédia.