A Receita Federal discute junto a estados e municípios a possibilidade de aproveitar as declarações entregues atualmente por empresas do setor de serviços financeiros para prestar informações relativas à reforma tributária. Para isso, será necessário adaptar esses documentos aos novos tributos.
Em entrevista à Folha, Marcos Hübner Flores, auditor responsável pela parte operacional da reforma dentro da Receita, afirma que a questão também está em discussão com entidades do setor privado e que “o martelo não está batido”.
A ideia é que a Dere (Declaração Eletrônica para Regimes Específicos) seja uma evolução da atual Desif (Declaração Eletrônica de Serviços de Instituições Financeiras), no caso dos contribuintes que já emitem esse documento.
A reforma traz uma lista de quase 30 serviços financeiros que serão tributados por meio de um regime específico. Entre eles, estão bancos, corretoras, instituições de pagamento e seguradoras.
Flores afirma que ainda não há um cronograma para definição dessas obrigações, questão que preocupa as empresas, que precisam se adaptar às novas regras até dezembro deste ano. Ele diz que o próximo ano será um teste para o novo sistema e que a Receita vai trabalhar para ajudar o contribuinte a se adaptar, não para puni-lo —a legislação diz que será dispensado do recolhimento dos novos tributos quem cumprir as obrigações acessórias.
Leia trechos da entrevista.
SETOR FINANCEIRO
Primeiro ponto, estamos evoluindo o que já existe, a Desif (Declaração Eletrônica de Serviços de Instituições Financeiras), que os municípios exigem e já tinha até um certo padrão nacional, para que ela se torne completamente padronizada e mais ampla. Uma única declaração vai servir não só para todos os municípios, mas para o Comitê Gestor e para a Receita. Todos os prestadores de serviços financeiros fariam a declaração através dela. Grande vantagem para as instituições financeiras: em vez de fazer uma declaração para cada município em que atua, ela faz uma única. Vai ficar muito mais fácil para os bancos.
Segundo, só usa a declaração quando não é possível o documento fiscal. Vamos usar essa declaração quando a CBS e o IBS incidem sobre a margem, e não sobre o todo. Quando contratamos um serviço de contabilidade, [a tributação] é sobre o todo do valor de serviço. Quando vou contratar um empréstimo, só a margem é tributável. A conta é um pouquinho mais complicada, tem que tirar PDD [Provisão para Devedores Duvidosos], tirar algumas comissões, fica um pouco menor ainda. Aí entram serviços financeiros, seguros, planos de saúde, concursos de prognóstico. Por que a declaração? Para conseguir chegar na margem.
Para o consórcio, é nota fiscal. Para Bolsa de Valores não precisa da declaração, pode ser nota. Algumas operações como tarifas e comissões continuam com o documento fiscal, não vai precisar da declaração.
Terceiro, vamos criar módulos, um para a instituição financeira, outro para a empresa de seguro, outro para plano de saúde, para que o contribuinte não tenha que preencher um monte de coisa que ele não usa. Ele vai preencher só aquilo que interessa a ele.
Tem uma parte ligada à contabilidade, da apuração da margem, e aí a gente vai usar provavelmente as declarações que já existem: ECF, Escrituração Contábil Fiscal, ECD, Escrituração Contábil Digital, a primeira para fins tributários, a segunda para fins comerciais. Existe o Cosif, que é um padrão do Banco Central, existe um padrão da ANS para planos de saúde, existe um padrão da Susep para os seguros, e o pessoal já transmite documentos eletrônicos.
FolhaJus
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Se eu fosse deixar uma mensagem curta: nós [Receita], juntos com o Comitê Gestor [de estados e municípios], temos a intenção de evoluir a Desif, que já existe, não criar uma declaração nova; só se usa declaração quando o tributo é calculado pela margem, pelo spread, e aí não cabe documento fiscal; utilizar as declarações, os balanços e planos de conta eletrônicos que já existem, para tornar mais fácil a vida do contribuinte; e ainda será necessário desenvolver o módulo que identifique operação por operação.
O objetivo é esse. Se já tem plano de conta, já tem obrigação, vamos usar isso, não vamos complicar a vida do contribuinte. Não está fechado, mas a intenção é criar o mínimo de novas obrigações.
SETOR IMOBILIÁRIO
Ainda estamos discutindo. Para compra e venda, parece que a nota de mercadoria se adequa bem. Para locação, a de serviço se adequa bem. Não estamos dizendo que é um serviço, mas que o instrumento se adequa. A incorporação imobiliária pode ser um pouco mais delicada, e ainda estamos discutindo a melhor forma. Nada disso está fechado, mas já conseguimos enxergar os caminhos mais razoáveis.
OUTROS SERVIÇOS
Alguns serviços que hoje não emitem documento fiscal também vão para Dere (Declaração Eletrônica para Regimes Específicos), como alguns serviços financeiros e locação. O pedágio deve ser uma nota fiscal de serviço bastante simplificada, atendendo à necessidade de velocidade para manter o fluxo [de veículos]. Não dá para aguardar cinco segundos para autorizar o documento fiscal, a fila pode ficar quilométrica. Tudo aquilo que está dentro do CBS, por exemplo, direitos, royalties, bens imateriais, vai ter um documento fiscal específico.
Mas não tem nada definido. A Receita está trabalhando junto com o pré-Comitê Gestor. O que tem é a intenção de utilizar planos de contas e declarações eletrônicas que ele [contribuinte] já transmite. Esse caminho faz muito sentido, mas não tem martelo batido.
CRONOGRAMA DA NOTA FISCAL
O Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados] desenvolve a Nota Fiscal de Serviço eletrônica nacional conforme a regulamentação do Comitê Gestor da NFS-e, que tem representantes da Receita e dos municípios. Essa solução é recomendada pelas entidades que representam os municípios [FNP e CNM].
Neste momento, estamos homologando algumas evoluções do módulo de administração nacional [que permite ao contribuinte realizar a apuração consolidada dos tributos federais e municipais envolvidos na prestação de serviços]. Não consigo precisar exatamente quando, mas devemos implantar isso em breve.
Além disso, junto com os municípios, estamos fazendo o planejamento das ações que vamos desenvolver até dezembro.
Há algumas semanas, saiu uma nota técnica especificando os campos de CBS e IBS, mas o sistema precisa evoluir para emitir dentro desse padrão. O momento agora é de reorientar, fechar, homologar e implantar o módulo de administração nacional, para que em dezembro já seja possível emitir o documento fiscal com CBS, IBS e tudo que é necessário.
MUNICÍPIOS
Para o município que não tem nota fiscal com emissor próprio, o mais fácil é aderir ao padrão nacional. Ele vai conseguir essas orientações no site do Comitê Gestor da Nota Fiscal de Serviços. A adesão é muito simples. Toda a parte da emissão, do modo de apuração, está sendo custeada pela Receita neste momento Se já tem emissor, avalia se migra agora ou migra depois [2033]. Se migrar depois, pode usar o emissor dele [até 2032] e transmitir imediatamente para o repositório nacional, com os campos padronizados.
ADAPTAÇÃO
Em 2026 vamos calcular a alíquota de referência. Quanto mais documentos fiscais, mais preciso vai ser o cálculo, e até mais baixa a alíquota. Da parte da Receita, não existe nenhuma intenção em autuar. Queremos ajudar o contribuinte a emitir os documentos fiscais para poder calcular corretamente a alíquota para 2027, testar os sistemas da Receita, e o contribuinte testar os sistemas dele. Esse é o objetivo. Estamos trabalhando com transparência, cooperação, vamos ajudar o contribuinte a fazer isso. Não precisa ir para o foco da punição, vamos com foco na cooperação.