Depois da muvuca bolsonarista da semana passada, parlamentares ligados ao presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, bem como alguns petistas, passaram a defender a votação de um projeto de anistia para os golpistas de 2022/23. Ele já recebeu o número suficiente de assinaturas para tramitar com rapidez. Engavetá-lo equivale a igualá-lo à tática (carnavalesca) da obstrução dos demais trabalhos da Câmara. Seriam formas distintas de interdição dos debates. Uma é legal, e a outra, alem de ridicula, é ilegal.
Desde a Independência, quase todas as gerações de brasileiros viveram revoltas e 48 anistias. Algumas, como a de 1979, foram pacificadoras. Outras, como a que Juscelino Kubitschek mandou ao Congresso em 1959, perdoando os militares revoltosos de Aragarças, foram simples gambiarras. Cinco anos depois, os anistiados entraram no bloco da deposição de João Goulart e humilharam, cassaram e exilaram JK. Ele morreu em 1976 sem recuperar a plenitude de seus direitos políticos. O major Haroldo Veloso, líder da revolta, voltou à Força Aérea, chegou à patente de brigadeiro e, em 1966, elegeu-se deputado federal pelo partido do governo.
Muito antes, em 1843, o mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos havia combatido o perdão aos revoltosos com um argumento fulminante: “A anistia ressuscitou os rebeldes.”
Fica a pergunta: a anistia dos golpistas de 2022/23 pacifica, como a de 1979, ou ressuscita rebeldes, como a de 1959? Como a história ainda está quente, cada um tem sua opinião, mas conceder ou negar uma anistia é atribuição do Congresso. Votá-la é o melhor remédio.
Negociações partidárias deverão definir o alcance dessa anistia. Numa ponta, estão as 762 pessoas condenadas por terem participado da mazorca do 8 de Janeiro. Algumas depredaram bens públicos, outras não. Na outra ponta, estão servidores que articularam um golpe com o objetivo expresso de anular o resultado de uma eleição vencida por Lula. Esses dois grupos confundem-se na reivindicação da anistia, mas têm pouco em comum.
O cidadão que esteve na praça dos Três Poderes no 8 de Janeiro, sentou-se na cadeira do ministro Alexandre de Moraes e gravou-se dizendo bobagens tomou uma pena de 17 anos de prisão. Ainda não saiu a sentença do general Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência, que imprimiu o Plano Punhal Verde Amarelo para facilitar a leitura, “sem forçar a vista”. Fica combinado assim.
Levar o projeto a voto não significa aprová-lo. A mobilização dos defensores da anistia de hoje nada tem a ver com a campanha de 1979. Aquela foi um movimento popular e ordeiro. Esta inclui saltimbancos renitentes que buscam a ressurreição da rebeldia condenada por Bernardo.
A postura de alguns defensores da anistia dos golpistas é desafiadora. Perderam a eleição, viram o fracasso do golpe e jogaram-se na desordem do 8 de Janeiro. Perderam em todos os níveis e comportam-se como se tivessem prevalecido. Defendem a anistia com a desenvoltura dos vitoriosos.
Essa postura poderá resultar na aprovação de uma anistia que atenda a infantaria do 8 de Janeiro e exclua ou estabeleça condições para beneficiar a turma daquilo que se pode classificar como o Estado-Maior do golpismo.
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